quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Penso logo...

Se tudo é às avessas
Do que penso
Porque penso,
Porque terei que pensar?

Porque penso
E gosto de tal pensamento
Que ao ser pensado
Vai ficar do avesso.

Sei eu bem que ficará,
Mas penso na tentativa
De que não seja mentiroso.

E pensei novamente
Entre pensamentos tão pequenos.

A Placa

  A gorda era feia. Morava lá no topo junto a pinheiros bravos e mansos, a pedrinhas e rochedos e à solidão. Pobre gorda!
  Sete horas da manhã: já vai a descer a rua que nasce no mato e termina no cerne do povo. Sentia-se quase rato do campo a entrar na civilização – todos os dias. Sete horas e cinco minutos: a rotina continua e todos a sabem. Quando a gorda passa o chão do povo treme, quase racha. Quando a gorda passa todos olham. Não fala, a gorda, com medo de injúrias. Mas ouve no ar ‘tão gorda!’ ‘nem dá os bons dias a mal educada.’ ‘Vai trabalhar a gorda?’. Oito horas: trabalha gorda. Nove horas: trabalha gorda. Dez, onze: trabalha. Doze: come enquanto pensa. Pensa em sair do trabalho, passar pelo povo, passar por fisgas de olhos escaldantes e chegar a casa, como todos os dias. A gorda comia e estava feliz. Naquele momento estava feliz. Uma hora da tarde: trabalha ao sol. Duas, três, quatro: trabalha mais pela vida. Cinco horas: a rotina ainda avança como uma criança – assim julga ela. De volta a casa, banhada de pinheiros, passa por entre o povo pronta a ser bombardeada. Fechou ligeiramente os olhos e quando os abriu a rotina partiu-se. O garoto plantado à sua frente, bem junto a ela perguntou ‘A gorda como se chama?’. A resposta não tardou muito. Brotou um sorriso cheio, e não gordo, aos olhos do catraio. Desceu ao nível dos seus olhos e sussurrou. As palavras, do povo, que vieram depois já não as ouviu. Seis horas: a gorda arruma a casa e rega o seu quintal. Este ano há-de ter muitas batatas. Sete horas: está deitada no chão a ver o céu – talvez.
  No dia seguinte ninguém viu a gorda, nem depois, nem depois.
  Na semana seguinte foi o seu funeral. O povo falou ‘Pobrezinha.’ ‘ Era gorda mas tão boa pessoa.’ ‘Ficou gorda quando o marido a deixou.’ ‘Morreu de ataque cardíaco.’ ‘Morreu por ser gorda.’ ‘Foi uma queda.’. A gorda nunca fora casada. Cada um sabia a causa da sua morte, mas na verdade ninguém sabia. Na verdade ela estava morta.
  No ano seguinte um moço pôs uma placa mal pregada sob um montinho de terra. A placa apenas dizia: Bela.