sábado, 29 de dezembro de 2012

Balada para un Loco


Sei-me Louco

Sejam os meus medos o teu conforto,
Tenho certeza de seres feliz.
E posso ser até o teu porto,
Lugar onde descansas a tua raiz.

Seja a minha mágoa a tua alegria,
Serás hipérbole do contentamento.
Do meu ser fizeste alegoria
De algo com pouco alento.

Todo eu estou em guerra:
A alma cega que vagueia
E a vista assente na terra.

Sei-me louco e doente.
Pois que assim seja,
Sê feliz que eu sou demente.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Pessoa(s)

"(...) E, quando errares o caminho, recomeça
pois assim descobrirás que ser feliz não é ter uma vida perfeita.
Mas usar as lágrimas para irrigar a tolerância.
Usar as perdas para refinar a paciência.
Usar as falhas para lapidar o prazer.
Usar os obstáculos para abrir as janelas da inteligência.
Jamais desistas de ti mesmo.
Jamais desistas das pessoas que amas.
Jamais desistas de ser feliz, pois a vida é um espectáculo imperdível,
ainda que se apresentem dezenas de factores a demonstrarem o contrário."
 
Fernando Nogueira Pessoa

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

The Man I Love

Ella Fitzgerald - The Man I Love
(já não se faz música assim...)

My Way

   Não quero ser pontual, que estou farta de medir o tempo. Não quero calar quando me mandam, que serei cínica se retiver o que penso. Quero ser fraca e chorar e morrer de amores, que não é vergonha nenhuma. Dá-me ópio, que outras drogas não me bastam e o médico nada sabe para além de livros. Diga-me Excelentíssimo Meritíssimo Senhor Doutor: em que livros aprendeu a remendar a felicidade? Quer a minha agulha? Tenho uma das grandes que dá mais jeito para coser os buracos gigantes que se vão abrindo. 
   Quero pintar as ruas com pessoas felizes e tirar do mundo os podres que fingem viver. Não quero ser Caríssima e Excelentíssima de ninguém. E que venham esses senhores das ordens apontar o seu dedo à minha moral que eu lhes direi: os livros decorados que têm nas vossas cabeças nunca chegarão ao número de caules que tenho na alma, às quedas que dei. Quero saber o que mais ninguém sabe e pôr de lado os estereótipos.
   Matem-me a tiro em vez de me sufocarem com mentiras e ensinos que nada ensinam. Tirem-me do mundo se estou errada. Esta sou eu à minha maneira e de nada me arrependo. Venham as consequências das minhas ideologias. Não quero nada e quero tudo…

domingo, 26 de agosto de 2012

Close your eyes and listen

Astor Piazzolla & Gerry Mulligan

Crónico

Se um dia tiver palavras, direi. Esta melancolia que sufoca irá saudar o novo mundo sem que alguém a ouça. Porque palavras não chegam, palavras são trapos, estão gastos como a minha cigarreira. E eu fumo este cigarro esperando o dia em que possa expressar o que sinto, o que o fumo do tabaco vai levando. Se um dia tiver palavras vou escolhê-las a dedo, cuidadosamente para que, com sorte, sejam aquelas que todos gostem de ouvir, sejam aquelas que não ferem a indiferença de alguém. E vou ouvindo esta música medonha e triste que me embala, este tango que me suga as forças. Mas de que servem as palavras quando são meras letras? Lê-me antes os olhos, lê-me as mãos cansadas, a boca sedenta, lê-me o corpo e tudo o que consigas. Não precisas de palavras para me saberes os trilhos. É tão simples, amor. Se não me entendes assim, jamais entenderás alguma coisa. E eu fumo o meu cigarro que me afoga e apaga.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

As Palavras de Amor



Música do compositor português: Jorge Salgueiro
Letra: José Saramago

Utópico

Uniram as culpas em lugar de olhares,
Amaram proibições em vez do sangue,
Quiseram sonhos vulgares,
Mataram a realidade exangue.

Gastaram os corpos e o esforço,
Trocaram peles nuas, desejosos.
Agora que estão cegos, sem remorso
Partilham lembranças
                                    [aleivosos.

Derramada a pura e egoísta verdade,
Sentirão as mãos tremer.
As lágrimas impedirão de ver.

Cairão exaustos do pulsar forte,
Morrerão de amor utópico,
Sem rumo nem norte.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Motivo

Preciso de um motivo. Não de um passageiro que o vento leve, mas um daqueles que dure e tenha força. Quero ter confiança suficiente para saber lidar com ele, domá-lo sem arrependimentos. Quem se arrepende é porque muito deseja e quem deseja tem um motivo. Mas, vistas bem todas estas coisas eu não me encaixo nesta teoria. Eu desejo ter um motivo para desejar algo. Curiosa situação a minha. Ainda assim, se desejo um motivo para desejar um sonho distante é porque desejo imenso esse sonho. Ou seja, desejo mais do que o comum. Estou certo? A falta de um motivo deixa-me ansioso, nervoso, doente, maluco. Todos os que olho em meu redor têm os seus, muitos deles têm até mais do que um. Dos mais simples aos mais ousados, é vasta a lista de motivos que nos pode mover. São o nosso alimento, o combustível, a energia. Poderia ter inveja de um motivo exorbitante, mas até os mais fúteis me chamam pela atenção, visto que não tenho nenhum. No fundo, sou um homem de sorte. Antes não ter nenhum, que ser movido por dinheiro ou pela tristeza dos outros. Como se arranjará um motivo? A minha infantilidade poderia levar-me a escolher um, por mero acaso, e fingir para a eternidade que este me movia. Depois iria exibir-me por aí: “Vejam como sou um homem decidido, com ideias fixas e um caminho”. Mas enfim, nada na vida deve ser escolhido por via da força. Deixemos tudo ser tão natural quanto a própria vida e eu esperarei que o meu motivo apareça. Ele vai dar-me a solidez que preciso, segurança para não cair na demência. Se a espera começar a apertar, terei que tomar outro rumo. Farei tudo sem um motivo, esperando apenas pelos resultados dos meus actos, venham eles doces ou amargos. Serei um vagabundo sem alma e ninguém chegará perto do meu entendimento. Não terei lógica. Pode ser que descubra felicidade na minha irracionalidade. Nunca descobrirei se não experimentar.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Discurso de um Rei Idiota

   Após muitos anos de investigação descobriu-se vida num planeta fora do nosso sistema solar, mas dentro da nossa galáxia. Os cientistas debateram longas horas sobre o nome que iriam atribuir ao planeta e, ao fim de analisarem os comportamentos dos seres que lá viviam, decidiram que “Planeta Idiota” seria um nome perfeito. Muitas festas se fizeram por esta descoberta, muito dinheiro se queimou, muitos prémios e medalhas bonitas foram cinicamente entregues. Uma algazarra!
   Enquanto festejavam, o rei do Planeta Idiota preparava a sua viagem à Terra. Também ele queria saudá-los com as suas idiotas palavras. Ao chegar, não foi recebido por políticos, nem imprensa e muito menos havia gente que o conhecia de onde quer que fosse. Foi andando até ao local onde todos festejavam a descoberta do seu povo e foi vendo, com os seus olhos cheios, as pessoas que passavam, as ruas, as fontes, os cães, os carros, o céu…
   Dirigiu-se ao microfone da grande sala onde se misturavam gravatas, batas e vestidos de cetim. E então falou para todos os que o estivessem a ouvir:
   - Vocês sabem lá! Vocês não sabem para que servem os olhos, escutam apenas as vozes dos vossos próprios pensamentos, sentem com a vossa razão de pedra, cheiram prematuramente as guerras que virão e saboreiam os mortos de ignorância esmagados nas vossas mãos. A que vos sabem os mortos da Terra? Do pouco que vi devem saber a ódio e cegueira. Não vos olhais uns aos outros e não olhais o vosso mundo, não vos tocais, não vos falais. Vocês sabem lá! Que pele de arrogância cobre esse corpo nu igual ao meu, que casaco de egoísmo vos protege da frieza dos outros, que chapéu vos prende as ideias. Tirai o chapéu! Tirai o chapéu! Vós sabeis quem sou? Apenas um dos muitos idiotas do meu planeta, o Rei do Idiotas.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

O viajante mais tolo do mundo


Um viajante tolo andava a fazer uma jornada. Ele era considerado estúpido porque era facilmente enganado e assim, as pessoas das cidades por onde passava aproveitavam-se dele. Nessa jornada foi enganado ao ponto de dar todo o dinheiro, roupas e sapatos que tinha. Mas o viajante era tolo e quando as pessoas da cidade diziam “Isto vai realmente ajudar”, as lágrimas começavam a cair e ele respondia “Por favor seja feliz”. Quando ele deu o seu último pertence ficou completamente nu e cheio de vergonha. A partir desse momento decidiu viajar na floresta. Nessa floresta ele conheceu os monstros que lá viviam. Eles queriam comê-lo e por isso também o enganaram com palavras manhosas. Como é óbvio, o viajante, que era um tolo, deu os seus próprios braços e pernas quando os monstros lhe pediram. No fim, o viajante não era nada para além de uma cabeça. Ele até deu os seus olhos ao último monstro que encontrou. Enquanto mastigava os olhos, o monstro disse “Obrigado, vou-te dar isto em troca” e foi-se embora. Mas também isto era uma mentira. O seu presente era apenas um pedaço de papel a dizer “Idiota”, mas o viajante chorou, chorou e disse “Obrigado, obrigado. Esta é a primeira vez que alguém me dá alguma coisa. Estou tão feliz. Obrigado, obrigado.” E as lágrimas continuaram a cair dos buracos onde estavam os olhos. E enquanto ele chorava, morreu.


Esta história não é da minha autoria. Ideia original da mangaka Natsuki Takaya (in Fruits Basket).

sexta-feira, 6 de abril de 2012

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Vontade

   Ela escrevia qualquer coisa. De longe pareciam muitas letras seguidas umas após outras, uma grande mancha de tinta. Com a aproximação a mancha ia diminuindo e tudo ficava mais nítido, até as suas expressões de concentração e aplicação. Tensão, aproximação máxima e chegada. Sentados ao seu lado podíamos vê-la a escrever, focada na folha. Nada mais importava, nem gente, nem espaço, nem tempo. Olhando para ela víamos uma jovem nos seus trinta. Olhando para a folha víamos letras, sempre a mesma: A. Desenhavas A’s entre duas linhas paralelas, seguidos numa fila. Um estreito, outro largo, todos iam sendo desenhados com cuidado para seguirem o modelo da letra computorizada do canto superior esquerdo.
   Sentados ao seu lado veríamos passar uma criança levada pela mão de uma mãe bem aperaltada. Veríamos a criança curiosa olhar para a folha dos A’s e reconhecer o seu trabalho da escolinha, rindo, e a mãe com um olhar de pena misturada com altivez. Veríamos tudo isto, mas ela, focada na sua escrita, não tinha tempo, espaço e muito menos, gente.
   Não sabemos quando, mas a jovem vai sorrir quando aprender a escrever “vontade”.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Expectativa

   Sentiam ódio um do outro. Para além do ódio, atrevo-me a dizer que sentiam nojo, repulsa. A vida conjunta tornara-se saturante, desgastante, até chegar ao ponto de ser insuportável. Tinha-se tornado numa relação progressiva, em direcção à arrogância e ironias malditas.
  A luta era constante. Havia tentativas para mudar de atitudes, mas o comportamento voltava a cair no mesmo, naquele escuro buraco que parecia a noite de lua nova em locais longe da realidade. Insultos raivosos, choros arrependidos e novas tentativas. Passou por todas estas fases com exactidão, mas sem ter noção disso, e porém o sentimento que ficava era o ódio.
  Quando nascera ele? Quando aparecera este sentimento, este conceito? Ele sabia bem quando fora. No tempo em que passara a ter noção do tempo, quando conhecera o sentido da responsabilidade, quando tivera a sua opinião, a sua própria vida, a sua independência. Nessa altura despertara o ódio. Era irónico o facto de decidir rebentar na melhor altura para tomar a liberdade de viver, no seu verdadeiro sentido.
  ‘Metes-me nojo’ disse naquele dia em que lágrimas se misturavam com fúria.
  ‘Porque será?’ interrogou o outro pacificamente e face vincada de experiência.
  ‘Exerces controlo em mim. Incentivas-me a fazer algo, com os teus argumentos filosóficos sobre a vida, e abandonas-me depois, nos momentos em que caio em mim e vejo ao que me obrigaste. Dizes que sou livre de experimentar e ser o que quero, e eu, cego, sigo-te pelos caminhos que me levas. Quando chegar ao fim sei que nada me espera, não terei futuro.’
  ‘Eu não forço ninguém. Eu sou apenas a tua expectativa frustrada à espera de uma oportunidade de brilhar.’
  ‘Brilhas demais, mais vezes do que seria suposto. Simplesmente desaparece. Peço-te que desapareças.’
  ‘Quando morreres farei o que me pedes. Até lá, não poderei. Como seria possível viver sem consciência? Eu apenas existo porque tu, e só tu, pões uma alta expectativa em ti. Tão alta, que quando não a alcanças sentes ódio de ti.’
  ‘De mim? De ti, cuja culpa tens.’
  ‘E o que sou eu?’
  ‘Não sei…’
  ‘Eu sou tu. O teu duplo ‘eu’. Sou o queres fazer medrosamente, sou os teus sonhos, o teu fracasso, o teu podre. Sou o teu verdadeiro ‘eu’, porque somos o que pensamos. Mas não me aceitas, como fazes com os teus comportamentos calculados.’
  Quando ele morrer tudo ficará no sítio certo, mas durante o caminho apenas se pergunta ‘Porque terei que viver comigo?’

sábado, 28 de janeiro de 2012

Sede

  ‘Somos dos fortes’, foi o que sempre ouvi dizer. A história do meu povo terminava frequentemente com esta frase gasta. Ainda não andava de boca em boca, já ouvia o percurso que talhámos – vindos do médio oriente – o que resistimos – viagens diversas por um mundo brutesco. Mas o nosso antigo povo resistiu.
   Se fomos copos de reis e nobres e burgueses e larápios, que nos lançavam a mão, somos agora copos do povo e esse é vasto. Do gatuno, passando pelos mendigos e terminando num modesto apartamento. E os snobs? ’Somos fortes demais para essa classe’ diria o copo Alberto, lascado na boca e riscado de lado – marcas da viagem da China. ‘Para que quereriam copos fortes, grossos e baixos? Agora têm-lhos altos, de pescoço ainda maior e que dão música! Mas esses só percebem de simpatias e sorrisos cínicos, que é o que lhes ensinam nessas festas parlamentares. Cuidado com eles.’ Eu nunca gostei muito deles, mas com tais avisos de Alberto, afastei-me mais dessa laia hipócrita: os Cristais. Por sorte, raras são as vezes que me cruzo com um deles. A probabilidade de tal acontecer numa taberna também não é muita, principalmente esta: O Catarro. O tradicional ponto de encontro das pobres almas bêbadas portuguesas. O cenário não muda de noite para noite, tal como as conversas (em alta voz), o vinho e os copos. Sim, os copos. Que aqui a imundice estica até ao ponto de não lavarem um copo de dia para dia. E viva o vinho e as ruas lá fora cobertas de lixo empilhado, como eu vejo nos dias em que vou para a prateleira mais alta.
   Já vou ganhando hábitos e sinto que esta gente me vai contagiando com tais vícios. Até eu me sinto de ressaca com tanta uva pisada que levo dentro. Mas nem sempre foi assim. Muito menos nos tempos da Índia, onde era estimado e não pouco. Eram também mãos e bocas com cheiros intensos, mas se por um lado umas tinham cheiro a farra, as outras, Indianas, tinham cheiro a fome e guerra.
   Cá vou eu vivendo como o copo Alberto aqui a meu lado. Ambos fortes e sonhadores, Talvez um dia volte a dar de beber a quem realmente precisa.