sábado, 28 de janeiro de 2012

Sede

  ‘Somos dos fortes’, foi o que sempre ouvi dizer. A história do meu povo terminava frequentemente com esta frase gasta. Ainda não andava de boca em boca, já ouvia o percurso que talhámos – vindos do médio oriente – o que resistimos – viagens diversas por um mundo brutesco. Mas o nosso antigo povo resistiu.
   Se fomos copos de reis e nobres e burgueses e larápios, que nos lançavam a mão, somos agora copos do povo e esse é vasto. Do gatuno, passando pelos mendigos e terminando num modesto apartamento. E os snobs? ’Somos fortes demais para essa classe’ diria o copo Alberto, lascado na boca e riscado de lado – marcas da viagem da China. ‘Para que quereriam copos fortes, grossos e baixos? Agora têm-lhos altos, de pescoço ainda maior e que dão música! Mas esses só percebem de simpatias e sorrisos cínicos, que é o que lhes ensinam nessas festas parlamentares. Cuidado com eles.’ Eu nunca gostei muito deles, mas com tais avisos de Alberto, afastei-me mais dessa laia hipócrita: os Cristais. Por sorte, raras são as vezes que me cruzo com um deles. A probabilidade de tal acontecer numa taberna também não é muita, principalmente esta: O Catarro. O tradicional ponto de encontro das pobres almas bêbadas portuguesas. O cenário não muda de noite para noite, tal como as conversas (em alta voz), o vinho e os copos. Sim, os copos. Que aqui a imundice estica até ao ponto de não lavarem um copo de dia para dia. E viva o vinho e as ruas lá fora cobertas de lixo empilhado, como eu vejo nos dias em que vou para a prateleira mais alta.
   Já vou ganhando hábitos e sinto que esta gente me vai contagiando com tais vícios. Até eu me sinto de ressaca com tanta uva pisada que levo dentro. Mas nem sempre foi assim. Muito menos nos tempos da Índia, onde era estimado e não pouco. Eram também mãos e bocas com cheiros intensos, mas se por um lado umas tinham cheiro a farra, as outras, Indianas, tinham cheiro a fome e guerra.
   Cá vou eu vivendo como o copo Alberto aqui a meu lado. Ambos fortes e sonhadores, Talvez um dia volte a dar de beber a quem realmente precisa.