quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Feliz



Feliz o que cai e se parte em cacos

Feliz o que erra nos próprios actos
Feliz o que é louco sem saber

Feliz o que morre quando não quer ser.

 

Na queda vivo infinitamente
Tenho dores que ninguém sente

Prevejo os erros ainda não estão além
Enlouqueço sem contar a ninguém.

 

“Vive em dor que tu mereces
Hás-de morrer na teia que teces”

Tenho a sina na mão de ‘deus’
Nem os meus erros são meus.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Declaração Imperfeita


Adoro a imperfeição. Im-Perfeição. Adoro a genialidade do “Im” que corta a estúpida suposição de que existe algo não defeituoso. Perfeição: do latim “Perfectione” e significa primor e mestria na sua totalidade. Ao que parece, a burrice humana já padece de muitos anos, e o mais incrível é que nem o conhecimento empírico de tantos séculos abriu as palas que levamos nos olhos. Esperava ansioso que a história de Portugal guardasse a agradável surpresa de ter tido um rei que tivesse banido a tal palavra e punido quem a usava com uma sentença de morte. Gostava que as inovações científicas provassem a sua inexistência.

Sublime é o erro na sua qualidade de omnipotência. Esplendorosa é a falha, que é única. Tranquiliza-me a sujidade poeirenta que para em torno das coisas, acalma-me o espírito o que a tantos incomoda. Não tapem os olhos! Ela está lá, existe: a imperfeição. Da mais miúda à mais graúda, leva consigo a qualidade de ser genuína, espontânea, autêntica. É feia e bonita. Feia de natureza, mas tão bela na maneira como se mostra e não se envergonha de si mesma.

Todos a odeiam e eu sei porquê. Ela vence a nossa vontade, é superior a nós e ao nosso querer, não ouve as nossas súplicas. Somos tão fracos…

Abracemos esta pobre abandonada, caída na miséria, derrotada na campanha partidária da perfeição (que tal como os nossa política faz demasiado uso da retórica e promessas impossíveis). Apelo ao vosso voto nesta minoria que se resume à dita cuja e a mim, já que ainda não conheci ninguém que a amasse tanto quanto eu.

Imperfeição, terás sempre o meu ombro. Eu te consolo, eu te afago, contigo partilho os meus sentimentos mais profundos. Admiro a tua pureza, limpa de pensamentos gastos, reflexões e raciocínios, não contaminada pela complexidade do nosso cérebro, tão genuína e imediata. Porque és única e nos tornas únicos!

Promete-me que ficas até ao fim da minha vida…

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Just Saying...

True Love Waits, by Radiohead

Obrigado


Sou dois. Na realidade sou três, mas a verdade é que nunca me lembro do corpo. Não lhe tenho raiva alguma, simplesmente a carne e o osso não me fascinam. Enfim, sou três mas não como o pai, o filho e o espírito santo, já que os meus são imperfeitos e um se ausenta frequentemente.

O que mais me espanta não é o facto de eu ser dois, antes o tempo que o levei a descobrir. Anos de experiência, tentativas, falhanços, quedas e gritos para chegar aqui: a minha própria bifurcação. Não vou entrar em explicações sobre as minhas duas assoalhadas, apenas declaro que uma completa a outra, mas não de forma romântica como dois amantes. Vejo mais por este plano: um é o electrão e o outro o protão e, por estarem em concordância nas quantidades , anulam-se formando este ser que sou.

Vale-me o conforto de saber que Pessoa era mais de o dobro em relação a mim. Mas este afago não apaga a tristeza e a dor de ser mais de um. Enquanto que cada um deles é único, no seu sentido mais singular, ambas as minha partes precisam uma da outra para formar este anião: o meu nada existencial, o meu vazio.

“Ah, como ele tem carácter”- exclamai vós depois de isto lerem. Mal sabeis o sentimento de que nascem as minhas palavras. O meu entendimento não alcança a miséria Pessoana sofrida, mas delicia-se com cada verso seu. Não ente as razões de Sá Carneiro, mas o meu corpo vibra só de ler a sua poesia. Como poderia eu pedir-vos compreensão? Este meu mar de iões está tão afogado como a Atlântida.

Joana, Henrique, Tomás, Clara, Filipa, Eduardo, Célia, Joaquim… Nomes há muitos, gente sem fim. Eu? Também tenho um nome, mas em nada adianta eu vos dizer qual é, não me ficam a conhecer. Na verdade, nada de mim se desvenda no meu nome; foi a simples escolha dos meus pais, que decidiram atribuir uma palavra a um corpo vivo para que ele reagisse ao seu chamamento. O meu nome não é uma tabela nutricional: não tem os litros das minhas glórias e das minhas derrotas, não tem as gramas do meu orgulho e os quilos do meu nojo, nem as calorias da minha doçura e amargura. O meu nome é o que vós vedes, é isto, palpável, fácil, tocável, tão simples e acessível.

Pois tenho a dar-vos uma notícia mais estrondosa que a reatribuição dos subsídios de férias: o meu nome não está só, nunca esteve, nunca estará. No meu nome cabem mais do que letras, no meu nome cabe um bicho desconhecido do mundo, desconhecido de mim. É tão indomável como um cavalo selvagem, tão feroz como um felino, tão veloz como um gavião, tão esquivo como uma lebre, tão leal a si mesmo como um cão. Que nome lhe dá? Respondei! Que nome lhe dá? Já dizia José Saramago: “Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos.”

Não me elogiem, não batam palmas, não se orgulhem. Ferem-me profundamente, é como se saboreassem o meu apodrecimento como uma sobremesa. Por detrás destas frases há um bicho, foi ele que escreveu. Por detrás de mim há um bicho.

Se tiverem coragem de o tentar compreender, chegarão a um largo, a uma grande praça, a uma enorme nação, a um continente, a um planeta, a uma galáxia, a um universo: o mais puro amor.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Inquietação

Inquietação - J.P. Simões

Inquietação

'Que estás a fazer, filho?'
'Os trabalhos de filosofia.'
'Mas tu ainda não tens filosofia!'
'Isso depende de como eu interpreto as minhas disciplinas.'
'É essa a justificação para estares a usar o caderno de matemática?'
'Eu explico-te, mãe. A minha professora de matemática fez-nos o seguinte problema: "somem o número de vezes em que a incógnita é a vossa própria existência, multipliquem pelo número de vezes que desejam desaparecer, sumir deste mundo e elevem ao número de incertezas que vos assombra. Por fim dividam este resultado pelo número de pequenos "eus" que encontram dentro de vocês. O resultado final é a vossa taxa de inquietação."
Pouco tempo depois a professora foi internada, por motivos de psicose, a pedido da associação de pais. O rapaz, muito tempo mais tarde, e por casualidade, ou não, veio a licenciar-se em medicina e a doutorar-se em psiquiatria.