domingo, 4 de dezembro de 2011

Nas escadas do Metro

  No mesmo lugar, à mesma hora, da mesma forma, o homem estava sentado ao fundo das escadas do metro. Sob o seu olhar as pessoas que passam deviam parece-lhe todas iguais, como vultos que o desprezam – pensei. Sob aquele dia com cor de noite e chuva com força de mar, o homem estendia a mão em forma de concha. Mas não era uma concha; estava suja e com marcas de vida vivida, sofrida.
  No mesmo lugar, à mesma hora, da mesma forma, passei por um homem que estava sentado ao fundo das escadas do metro. Olhei, pensei e nada fiz. Olhei com medo de ver personificações de tristeza – sou apenas mais uma entre tantos cobardes. Pensei, mas pensar é vago. Nada fiz, e tornei-me num vulto que passou.
  Noutro lugar, a outra hora, de forma diferente, o mesmo homem andava no seio lisboeta fumando um cigarro – o boémio. As mãos não tremiam e era agora a personificação de uma tristeza diferente: a do espírito.
  Senti raiva? Não, senti culpa.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Artes

  Vamos então pensar! Dizem, como quem chuta pedras na rua, que o ser humano é diferente. Mas dizem-no achando que é melhor. De melhor tem pouco, mas nem o pouco, de pouco que é, tem valor. Eu digo-vos que isto me exalta! Isto de dar valor a dinheiros menores que cuspo.
  É arte! Tudo o que crio, melhor que eu e que me pertence é só meu. Não quero ser formatada em escolas descobertas por outros ou ser um clone de alguém aclamado.
Isto não me marca no limite da diferença. Quero criar. Chega!
  Que mundo é este? Quem somos nós? Se eu crio sou maluca. Mas vou ficar por cima desses inúteis de natureza exacta, porque vou ser feliz!

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Problema de vista

‘Mãe, olha um ponto azul.’

‘Onde vês um ponto azul, João?’

‘Está mesmo ali, vês?’

‘Não está ali nada. Tu deves estar a ver mal.’

‘Mas quem não vê és tu! Não compliques. Vê só o ponto azul.’

Somos Linhas

‘João, já viste como as linhas do comboio se cruzam em pontos tão pequenos e depois seguem caminhos diferentes?’

O João era pequeno. Nunca tinha reparado em tal coisa e não era, de facto, o dia em que estava com paciência para essas observações. Estava frenético.

‘Oh… Mãe, acho que afinal quero ser professor como o pai do Filipe.’
‘Ai sim?’

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Amigo

  Ela ia ser honesta. Mentira. Tal qualidade não lhe pertencia. Era mais dada ao egoísmo e a outras futilidades sentimentais. Sofria de ser humana (a raça). A situação não podia ser mais singela: perante um erro seu tinha de apresentar um pedido de desculpas, nem que fosse em honra ao bom senso. Assim foi… Nem por olhares ou gestos medidos vieram respostas. Ela fora honesta, verdade seja dita. Foi aí que o outro pôs as medidas de lado e precipitou-se encontrando o calor dos braços e o roçar da roupa. Era quente aquela gente forte, pensara ela.

  Se o destino existe, e ela estava “destinada” a ser hostil, então desejava ter um amigo assim, real. Porque as partes que ela é jamais estarão cerradas todas no seu corpo.



 Dedicado a um Grande Amigo

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Penso logo...

Se tudo é às avessas
Do que penso
Porque penso,
Porque terei que pensar?

Porque penso
E gosto de tal pensamento
Que ao ser pensado
Vai ficar do avesso.

Sei eu bem que ficará,
Mas penso na tentativa
De que não seja mentiroso.

E pensei novamente
Entre pensamentos tão pequenos.

A Placa

  A gorda era feia. Morava lá no topo junto a pinheiros bravos e mansos, a pedrinhas e rochedos e à solidão. Pobre gorda!
  Sete horas da manhã: já vai a descer a rua que nasce no mato e termina no cerne do povo. Sentia-se quase rato do campo a entrar na civilização – todos os dias. Sete horas e cinco minutos: a rotina continua e todos a sabem. Quando a gorda passa o chão do povo treme, quase racha. Quando a gorda passa todos olham. Não fala, a gorda, com medo de injúrias. Mas ouve no ar ‘tão gorda!’ ‘nem dá os bons dias a mal educada.’ ‘Vai trabalhar a gorda?’. Oito horas: trabalha gorda. Nove horas: trabalha gorda. Dez, onze: trabalha. Doze: come enquanto pensa. Pensa em sair do trabalho, passar pelo povo, passar por fisgas de olhos escaldantes e chegar a casa, como todos os dias. A gorda comia e estava feliz. Naquele momento estava feliz. Uma hora da tarde: trabalha ao sol. Duas, três, quatro: trabalha mais pela vida. Cinco horas: a rotina ainda avança como uma criança – assim julga ela. De volta a casa, banhada de pinheiros, passa por entre o povo pronta a ser bombardeada. Fechou ligeiramente os olhos e quando os abriu a rotina partiu-se. O garoto plantado à sua frente, bem junto a ela perguntou ‘A gorda como se chama?’. A resposta não tardou muito. Brotou um sorriso cheio, e não gordo, aos olhos do catraio. Desceu ao nível dos seus olhos e sussurrou. As palavras, do povo, que vieram depois já não as ouviu. Seis horas: a gorda arruma a casa e rega o seu quintal. Este ano há-de ter muitas batatas. Sete horas: está deitada no chão a ver o céu – talvez.
  No dia seguinte ninguém viu a gorda, nem depois, nem depois.
  Na semana seguinte foi o seu funeral. O povo falou ‘Pobrezinha.’ ‘ Era gorda mas tão boa pessoa.’ ‘Ficou gorda quando o marido a deixou.’ ‘Morreu de ataque cardíaco.’ ‘Morreu por ser gorda.’ ‘Foi uma queda.’. A gorda nunca fora casada. Cada um sabia a causa da sua morte, mas na verdade ninguém sabia. Na verdade ela estava morta.
  No ano seguinte um moço pôs uma placa mal pregada sob um montinho de terra. A placa apenas dizia: Bela.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

A Vela de Pavio longo

  Entrou e cheirou, sem demoras, um vazio estranho. Olhou, entre segundos, e reparou. ‘Cá está. Já não está cá.’ Uma conclusão brilhante feita em meros grãos de tempo. A vela desaparecera. Tinha sido comprada em promoção numa dessas lojas por ruas não famosas, com o objectivo de preencher. Preencher. A pobre vela era agora de uma casa qualquer pouco famosa, por pouca coincidência, e vítima de futilidade. Passava dias, tardes e talvez noites na mesa da entrada a fazer o seu papel – preencher. ‘Há que preencher! Sou apenas uma futilidade de humanos. Há que preencher!’ – pensaria a pobre varrida do pavio.
  Caiu no desemprego quando certo dia se partiu em cacos. ‘Cá está. Já não está cá.’ Nesse mesmo dia ao chegar de rompante com cansaço a escorrer-lhe pela face reparou no vazio. A mesa da entrada tinha vazio. Nesse momento pensou ‘de cor era ela?’
  Se tivesse amigos contar-lhes-ia como reparou no vazio outrora preenchido por algo em que jamais reparara.

terça-feira, 31 de maio de 2011

O Concerto

Ecoava toda ela
Limpa e bela
A música que eu ouvia
E a outros amolecia.

Cansados do suor
Pareciam ter feridas e dor.
A música não era sentida
Era fútil, fingida.

E por fim chegou
E todo o som parou
Música diferente
Aquela que lhes ia na mente.

Falaram tais senhores
E, então, a mim vieram dores.
Mentiras que diziam
Na música que liam.

Suas bestas insensíveis
Não há melhoras visíveis.
Deixem-nos sós,
Música somos nós.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Do outro lado

A vida curta é
P'ra nos deixar ver os seus mistérios
Que separados de nós estão
Por uma simples cortina
Por uma fraca neblina.
E nós, simples seres terrenos
Míopes, estrábicos e cegos
E tolhidos dos movimentos
Nem um bracito esticamos
Para espreitar pela fresta,
Nem os olhitos firmamos
P'ra ver um pouco mais longe.
E escapa-nos a felicidade
Ao alcance de um sorriso,
E escapa-nos o universo
Ao alcance de um abraço.

Feito por Jelhito e dado a Sá no dia 17/5/2011

domingo, 15 de maio de 2011

A Pedra da Calçada

    Tantas vezes a pisou no seu passo apressado em tempos ferozes, e molengão nas tardes quentes de passeio. Sem olhar, seguia em frente e inocentemente passava, ignorando por onde andava. Quando olhava, apenas o céu se reflectia nas suas pupilas. Queremos sempre o que está tão longe, como que num tecto que nunca iremos tocar. Mas é tão belo esse vasto azul.
    E no entretanto, sem razão aparente, deixou desmaiar o corpo, como o de um morto, até ao chão. Chorou… Ali, no lado de uma rua por onde passava, contou ao céu o que na alma lhe ia, mas este tinha tanto de altura quanto de altivez. Mesmo à sua frente, reparou pela primeira vez: a Pedra da Calçada. Era branca de pureza. Brilhava e ouvia a mágoa que ia brotando, escutando calada e chorando para dentro. Se ela falasse talvez dissesse: serei sempre o suporte do teu andar, mesmo que prefiras contemplar o sol, o céu e outras estrelas que tal.
    Quando passa agora no lado da rua, reflecte-se um brilho diferente nos seus olhos gigantes. É o brilho da Pedra da Calçada.

sexta-feira, 11 de março de 2011

A Folha

  Ambos sorriam frente a frente, olhos atentos e com um nervoso à flor da pele. Teriam que escolher a chave certa para a estranha fechadura do ser humano. O que cada um pensa cada um sabe e o medo que a cada um invade toma grandes e pequenos tamanhos. Tanto passa em tão pouco espaço, em tão pequena cabeça que deseja compreensão e se sente nua.
  A palavra cai ao sabor do vento, como uma folha de Outono dourado. Mas é o olhar que cai em direcção ao chão de vergonha enquanto a folha paira no ar à espera de ser colhida. Sem resposta…
  O vento pára e a folha cai e cada letra, morta, se desprende com mágoa.
  Vai haver mais Outono, por isso ergue o teu olhar e entrega-te a outro vento. Mas nada é fácil quando se cresce todos os dias e o pior sentimento humano é ser esquecido por alguém que nunca iremos esquecer.

O Erro de Descartes

  Dizia Descartes, quando tinha um olho na terra de cegos, que sonho e realidade andam de mãos dadas e tão abraçados que não se distinguem. Não há, portanto, realidade porque esta se confunde com o sonho? Meu querido Descartes, descobri que não sou filósofa e que apesar disso estavas errado.
  Como poderia isso ser, sonhar tantos momentos de cores berrantes e alegrias extremas? Não, Descartes, estavas errado. Todos vimos as partículas de felicidade que ele produz, os átomos de amizade que dá a outros iões e as moléculas que formou por ligações de amor e paixão- alguns passaram pelos trovões das suas tristezas, as lágrimas da sua mágoa e então vimos o seu interior mais fundo. Oh não Descartes, tenho a certeza que é real! Devias tu nascer outra vez para ver tal bondade e simpatia que encarnou num ser só nesta miserável Terra.
  Queria sonhar que a fúria e as zangas não foram mais do que isso – sonhos – mas também isso cruza o caminho de todos nós.
  Ajoelha-te perante mim, rei francês da Filosofia, que o mais real ainda só chega agora, pois nós nunca tivemos um amor tão real como o que este homem nos deu e eu proclamo o seu nome:
João Manuel Fernandes Amaral

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Unicórnio de Porcelana

Chora pobre alma
Vazia e cheia de nada
Correndo em campos maiores
E deixando correr a onda
na face.

A pobre cega vê.
Alimenta a dor
Que em tudo não crê
E luta meio mundo
sem arma.

Onde vai vagueando
Finge ser parte
De parte tão inútil.
E vê-se então sozinha
morta.

Garrafa de Vidro


  E ela disse ‘Sou feliz’ e desvaneceu por entre o ar além da porta. De pensamentos filosóficos não sou dotada, mas não me rendi a tais palavras. ‘Sou feliz’. Como poderá isso ser? Feliz. É ser alegre e contente e gabar-se de tal e da vida mesquinha que leva debaixo do braço! Não é inveja que se solta pela minha boca fora, é um sopro de revolta. Rebaixar ao mínimo o maior que se pode dar ao ser: felicidade.
  Lá vai o pequeno com a garrafa de vidro fino na cabeça, tropeçando, caindo e esfolando os joelhos rijos. Parte a garrafa. Segue a sua vida dura e tentativa após tentativa lá fica, no seu mundo, a rir por equilibrar tal delicadeza de vidro na cabeça mais modesta que a que eu ouvi falar. Está, então, feliz. Porque não a levara ele debaixo do braço?
  Ah vida desgraçada, que só estamos felizes quando andamos na lama e tudo é tão delicado como uma garrafa de vidro fino, como a felicidade.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

'Viva o Pimba'

Sensual, és tão sensual
Tens o ar de mulher fatal
Sensual, és tão sensual
Que até o teu simples olhar me faz mal

Sensual, és tão sensual
Tens o ar de mulher fatal
Sensual, és tão sensual
Que até o teu simples olhar me faz mal
Toy
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Não digas o meu nome
Não digas o meu nome, Alejandro
Não sou o teu bebé
Não sou o teu bebé, Fernando
Não quero beijar, não quero tocar
Apenas fumar o meu cigarro e fugir
Não digas o meu nome
Não digas o meu nome, Roberto
Alejandro, Alejandro
Ale-ale-jandro, Ale-ale-jandro

Lady Gaga (Stefani Germanotta)


Na realidade, o “pimba” não é só de origem Portuguesa.