segunda-feira, 23 de julho de 2012

As Palavras de Amor



Música do compositor português: Jorge Salgueiro
Letra: José Saramago

Utópico

Uniram as culpas em lugar de olhares,
Amaram proibições em vez do sangue,
Quiseram sonhos vulgares,
Mataram a realidade exangue.

Gastaram os corpos e o esforço,
Trocaram peles nuas, desejosos.
Agora que estão cegos, sem remorso
Partilham lembranças
                                    [aleivosos.

Derramada a pura e egoísta verdade,
Sentirão as mãos tremer.
As lágrimas impedirão de ver.

Cairão exaustos do pulsar forte,
Morrerão de amor utópico,
Sem rumo nem norte.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Motivo

Preciso de um motivo. Não de um passageiro que o vento leve, mas um daqueles que dure e tenha força. Quero ter confiança suficiente para saber lidar com ele, domá-lo sem arrependimentos. Quem se arrepende é porque muito deseja e quem deseja tem um motivo. Mas, vistas bem todas estas coisas eu não me encaixo nesta teoria. Eu desejo ter um motivo para desejar algo. Curiosa situação a minha. Ainda assim, se desejo um motivo para desejar um sonho distante é porque desejo imenso esse sonho. Ou seja, desejo mais do que o comum. Estou certo? A falta de um motivo deixa-me ansioso, nervoso, doente, maluco. Todos os que olho em meu redor têm os seus, muitos deles têm até mais do que um. Dos mais simples aos mais ousados, é vasta a lista de motivos que nos pode mover. São o nosso alimento, o combustível, a energia. Poderia ter inveja de um motivo exorbitante, mas até os mais fúteis me chamam pela atenção, visto que não tenho nenhum. No fundo, sou um homem de sorte. Antes não ter nenhum, que ser movido por dinheiro ou pela tristeza dos outros. Como se arranjará um motivo? A minha infantilidade poderia levar-me a escolher um, por mero acaso, e fingir para a eternidade que este me movia. Depois iria exibir-me por aí: “Vejam como sou um homem decidido, com ideias fixas e um caminho”. Mas enfim, nada na vida deve ser escolhido por via da força. Deixemos tudo ser tão natural quanto a própria vida e eu esperarei que o meu motivo apareça. Ele vai dar-me a solidez que preciso, segurança para não cair na demência. Se a espera começar a apertar, terei que tomar outro rumo. Farei tudo sem um motivo, esperando apenas pelos resultados dos meus actos, venham eles doces ou amargos. Serei um vagabundo sem alma e ninguém chegará perto do meu entendimento. Não terei lógica. Pode ser que descubra felicidade na minha irracionalidade. Nunca descobrirei se não experimentar.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Discurso de um Rei Idiota

   Após muitos anos de investigação descobriu-se vida num planeta fora do nosso sistema solar, mas dentro da nossa galáxia. Os cientistas debateram longas horas sobre o nome que iriam atribuir ao planeta e, ao fim de analisarem os comportamentos dos seres que lá viviam, decidiram que “Planeta Idiota” seria um nome perfeito. Muitas festas se fizeram por esta descoberta, muito dinheiro se queimou, muitos prémios e medalhas bonitas foram cinicamente entregues. Uma algazarra!
   Enquanto festejavam, o rei do Planeta Idiota preparava a sua viagem à Terra. Também ele queria saudá-los com as suas idiotas palavras. Ao chegar, não foi recebido por políticos, nem imprensa e muito menos havia gente que o conhecia de onde quer que fosse. Foi andando até ao local onde todos festejavam a descoberta do seu povo e foi vendo, com os seus olhos cheios, as pessoas que passavam, as ruas, as fontes, os cães, os carros, o céu…
   Dirigiu-se ao microfone da grande sala onde se misturavam gravatas, batas e vestidos de cetim. E então falou para todos os que o estivessem a ouvir:
   - Vocês sabem lá! Vocês não sabem para que servem os olhos, escutam apenas as vozes dos vossos próprios pensamentos, sentem com a vossa razão de pedra, cheiram prematuramente as guerras que virão e saboreiam os mortos de ignorância esmagados nas vossas mãos. A que vos sabem os mortos da Terra? Do pouco que vi devem saber a ódio e cegueira. Não vos olhais uns aos outros e não olhais o vosso mundo, não vos tocais, não vos falais. Vocês sabem lá! Que pele de arrogância cobre esse corpo nu igual ao meu, que casaco de egoísmo vos protege da frieza dos outros, que chapéu vos prende as ideias. Tirai o chapéu! Tirai o chapéu! Vós sabeis quem sou? Apenas um dos muitos idiotas do meu planeta, o Rei do Idiotas.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

O viajante mais tolo do mundo


Um viajante tolo andava a fazer uma jornada. Ele era considerado estúpido porque era facilmente enganado e assim, as pessoas das cidades por onde passava aproveitavam-se dele. Nessa jornada foi enganado ao ponto de dar todo o dinheiro, roupas e sapatos que tinha. Mas o viajante era tolo e quando as pessoas da cidade diziam “Isto vai realmente ajudar”, as lágrimas começavam a cair e ele respondia “Por favor seja feliz”. Quando ele deu o seu último pertence ficou completamente nu e cheio de vergonha. A partir desse momento decidiu viajar na floresta. Nessa floresta ele conheceu os monstros que lá viviam. Eles queriam comê-lo e por isso também o enganaram com palavras manhosas. Como é óbvio, o viajante, que era um tolo, deu os seus próprios braços e pernas quando os monstros lhe pediram. No fim, o viajante não era nada para além de uma cabeça. Ele até deu os seus olhos ao último monstro que encontrou. Enquanto mastigava os olhos, o monstro disse “Obrigado, vou-te dar isto em troca” e foi-se embora. Mas também isto era uma mentira. O seu presente era apenas um pedaço de papel a dizer “Idiota”, mas o viajante chorou, chorou e disse “Obrigado, obrigado. Esta é a primeira vez que alguém me dá alguma coisa. Estou tão feliz. Obrigado, obrigado.” E as lágrimas continuaram a cair dos buracos onde estavam os olhos. E enquanto ele chorava, morreu.


Esta história não é da minha autoria. Ideia original da mangaka Natsuki Takaya (in Fruits Basket).